AS ORDENS MILITARES EM PORTUGAL

Luís Adão da Fonseca (Coord.)

Fernanda Olival
Paula Pinto Costa
Maria Cristina Pimenta
Isabel Morgado Silva
António Pestana de Vasconcelos

© Seminario Internacional para el estudio
de las Órdenes Militares. 2002

1. IDADE MÉDIA
2. AS ORDENS DE AVIS, CRISTO E SANTIAGO APÓS A INCORPORAÇÃO NA COROA
3. A ORDEM DE MALTA NO PERÍODO MODERNO
4. A ORDEM MILITAR DA TORRE E ESPADA
5. A ORDEM DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE VILA VIÇOSA

 

1. IDADE MÉDIA

Paula Pinto Costa
Maria Cristina Pimenta
Isabel Morgado Silva
António Pestana de Vasconcelos

No séc. XI, a Europa cristã assiste ao confronto entre dois mundos com sensibilidades religiosas distintas, o que determina o conflito armado entre a Cristandade e o Islão.

Neste contexto, insere-se o movimento das Cruzadas (1096-1270), no âmbito do qual se destaca uma figura em particular, o Miles Christi, que, pela peregrinação e penitência, pretendia viver à semelhança de Cristo e fazia uso das armas como instrumento de propagação de uma crença que conduzia à Salvação. Assim, como soldado de Cristo, este cavaleiro, irá desempenhar um papel fundamental no desenhar da nova Europa, tanto em termos geográfico-espaciais, como em termos de uma nova mentalidade sócio-religiosa.

É neste contexto que surgem as ordens monástico-militares, instituições que claramente se identificam com a reforma eclesiástica proposta por Cluny, tendo as primeiras sido fundadas no Oriente; a de S. João do Hospital e a do Templo, na transição do século XI para o século XII. No que se refere aos Hospitalários, um grupo de mercadores de Amalfi decide instalar na Terra Santa uma casa de acolhimento para os peregrinos, colocando-a sob a protecção de S. Bento e na dependência do Mosteiro de Santa Maria Latina. Desde então, contaram com o apoio da Igreja, da qual eram membros activos, assumindo-se como seguidores do modelo normativo proposto por Santo Agostinho, até ao ano de 1113, quando Pascoal II, pela Bula Piae Postulationis lhes conferiu um modus vivendi próprio. Desta forma, o Sumo Pontífice permitiu que estes freires desenvolvessem com maior visibilidade a sua apetência para a prestação de cuidados assistenciais.

Pouco depois, era instituída a Ordem do Templo, com um cunho militar mais acentuado, respondendo plenamente às exigências do ideal de Cruzada. As sua origens remontam às intervenções dos cavaleiros Hugo de Payns e Godofredo de St. Omer no quadro da defesa dos peregrinos que viajassem entre o porto de Jaffa e Jerusalém, institucionalizando-se, depois, por ocasião do Concílio de Troyes.

É precisamente o perfil destas duas Ordens Internacionais que irá nortear o apelo feito pelas monarquias ibéricas que, desde cedo, percebem a eficácia do modelo em curso na Terra Santa. Como é sabido, desde 711 que a Península Ibérica tinha sido alvo de um avanço territorial muçulmano, impondo-se, a partir do início do século XII, a organização de estruturas conducentes à recuperação do espaço, na altura, ainda conhecido por Condado Portucalense.

Dentro deste espírito, um grupo de cavaleiros franceses chega à Península Ibérica, onde, pelas armas, se enfrentava o Infiel, no quadro do que, genericamente, se convencionou apelidar de movimento da Reconquista. Esta realidade determinou a actuação por parte dos condes portucalenses, que, muito rapidamente se aperceberam da necessidade e das virtualidades que podiam resultar da estreita colaboração o poder político e estas novas forças. Assim, D. Teresa doa o mosteiro de Leça do Bailio aos Hospitalários e, pouco depois, em 1128, entrega o castelo de Soure aos Templários.

Remonta pois a esta época o estabelecimento das ordens militares em território portucalense. Seguir-se-lhes-iam, passado quase meio século, a de Santiago (1172) e a de Avis (1175-76), que recebem, também por iniciativa régia, as primeiras doações.

Com um propósito perfeitamente definido, estes institutos acompanharão a actuação da monarquia em todos os movimentos inerentes ao processo da Reconquista, e posterior defesa e consolidação dos territórios conquistados, o que já é bem visível no reinado de D. Afonso Henriques, através das doações e privilégios com que são distinguidas.

Cada uma delas, ao longo deste processo, revelar-se-ia responsável por uma determinada área geográfica estratégica, definindo-se desde muito cedo zonas de influência claramente demarcadas e complementares entre si. Assim, enquanto que a Ordem do Hospital, inicialmente, se implanta no Entre-Douro-e-Minho, a do Templo, fixar-se-á mais a sul na linha do Mondego, consolidando-se ambas na Beira Interior. As milícias dos freires de Santiago e de Avis ocupam áreas a sul do Tejo, que a prossecução com êxito do movimento da Reconquista, acabaria por colocar sob o domínio dos reis cristãos. Neste contexto, a primeira ocupa o vale do rio Sado, posicionando-se estrategicamente na Estremadura - para além do papel que viria assumir no Algarve -, enquanto que a segunda domina toda a área alentejana com uma grande incidência na linha de fronteira com Castela.
Do apoio prestado à monarquia decorre a entrega de um amplo conjunto de doações, nomeadamente, de castelos, vilas, lugares, igrejas e direitos, entre outros, que se aparentemente se restringem à área a que se circunscrevem, na verdade acabam por adquirir uma outra dimensão, uma vez que a sua posse implica o desenvolvimento de estruturas senhoriais. Assim se entende que os mestres destas milícias procedam à concessão de cartas de foral, dotando as localidades em causa das condições indispensáveis ao seu povoamento, tendo em vista o fomento económico dessas áreas.

De facto, a par desta consolidação do território, desejada pelos monarcas, a implantação jurisdicional destas instituições permitiu-lhes um enorme fortalecimento, que, num determinado momento, se revelaria de certa forma um obstáculo ao exercício pleno do poder régio, situação com a qual terão de lidar os monarcas a partir de D. Dinis.

No entanto, a monarquia, apesar de consciente do peso destas instituições, vai aceitar pacificamente esta realidade, tendo em conta o apoio militar necessário para expulsar do Algarve o Infiel, o que acontece em 1249, data da conquista de Faro. A partir de então, a relação destas instituições com a monarquia terá de encontrar um ponto de equilíbrio, que equacione, por um lado, o poder das ordens e, por outro lado, a sua discutível actuação, num território onde a guerra de reconquista terminara.

Como é óbvio, a resolução deste processo não será fácil, nem muito menos imediata. Assim, será só nos finais do século XIII, mais precisamente com D. Dinis, e mercê da conjuntura interna e externa, que o monarca tentará de alguma forma controlar o "exercício" do poder destes institutos, como demonstra a pronta intervenção do rei, junto da Cúria Pontifícia, com o objectivo de dotar a Ordem de Santiago em Portugal de uma autonomia própria face a Uclés, o que viria a acontecer em 1288, pela bula Pastoralis Oficii, de Nicolau IV.

Ao mesmo tempo, decorridos alguns anos, o processo de extinção da Ordem do Templo em França, cujos reflexos em Portugal não tardaram em manifestar-se, possibilitou ao rei uma intervenção directa. Com efeito, ao contrário do que aconteceu em outras zonas da Europa, os bens Templários em Portugal não foram integrados no senhorio Hospitalário, mas antes constituíram a base patrimonial sobre a qual D. Dinis fundou uma nova milícia, a ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Justificando a sua criação com a necessidade de continuar a luta contra o Infiel, D. Dinis recuperava a vivência do ideal de Cruzada em território português, que, momentaneamente, poderia ter sido abandonado com a conquista de Faro em 1249. Em 1319-20, o conceito tradicional de Reconquista evolui da luta contra o inimigo presente no território nacional para a defesa da linha de fronteira meridional, face a esse mesmo inimigo que continuava próximo. E Castro Marim, doada com mero e misto império para sede desta nova milícia, situada na linha do rio Guadiana na zona oriental do Algarve, responde inequivocamente a esta nova concepção.

A Ordem de Cristo, porque pensada e realizada pela monarquia, seria o exemplo do tipo de relacionamento ideal a desenvolver entre as ordens militares e a Coroa, que se pretendia, mais do que concorrencial, complementar. Objectivo que foi alcançado pela monarquia portuguesa, ao longo dos séculos XIV e XV, que adoptando uma atitude de abertura, foi garantindo de uma forma mais ou menos constante, a actuação de todas estas instituições a seu favor. Só assim se entende a política de privilégio praticada pelos monarcas, que promovia o engrandecimento das ordens, dependente, no entanto, do seu livre arbítrio. Neste contexto, a actuação de D. João I, não deixa de ser paradigmática.

Tendo em conta a sua condição anterior de Mestre de uma ordem militar - a de Avis - , situação que lhe permitiu ter um conhecimento claro sobre as capacidades reais da milícia, quer em termos da sua riqueza patrimonial, quer em termos da sua capacidade de mobilização humana, capaz de actuar como um contra-poder, este monarca soube como melhor aproveitar este potencial.

Assim, desde muito cedo, D. João I, definiu as pautas de convivência a adoptar entre a Monarquia e as Ordens, num processo que se manterá válido ao longo de toda a Baixa Idade Média.

Os mestres que coincidem com o reinado deste monarca: Fernão Rodrigues Sequeira na Ordem de Avis, Lopo Dias de Sousa na de Cristo, Álvaro Gonçalves Pereira na do Hospital, Mem Rodrigues de Vasconcelos na de Santiago, apesar de evidenciarem comportamentos e actuações distintas, determinadas pela especificidade inerente às suas milícias e pela peculiaridade da sociedade portuguesa de então, têm, todos eles, uma forte ligação ao monarca.

Esta proximidade pessoal e institucional resultou em parte da conjuntura política vivida durante o período da crise de 1383-85, que como é sabido, colocaria no trono este monarca. De facto, a consolidação da legitimidade deste rei, levou-o a desenvolver um tipo de actuação que passou, num primeiro momento, por cedências de carácter jurisdicional em favor dos que lhe haviam sido fiéis, num processo que viria a conduzir, a posteriori , à adopção de uma atitude de cerceamento destas liberdades, uma vez que representavam um obstáculo à sua própria autoridade.

Assim se entende, que as ordens militares passem a integrar um projecto régio, nacional, que visava o exercício de um poder mais centralizado. Desta forma, e relembrando o que atrás já referimos - o facto de D. João I, ter sido Mestre da ordem militar de Avis -, o monarca soube orientar estas instituições, colocando-as a seu lado, fazendo-as responder ao seu projecto de acordo com as áreas geográficas em que se encontravam implantadas.
Não será então de estranhar, porque na sequência natural dos desenvolvimentos acima referidos, que à morte de cada um dos mestres destas milícias, o monarca intervenha junto do Papa, no sentido deste conceder aos seus filhos, os respectivos governos. Assim, em 1418, o mestrado de Santiago é atribuído ao Infante D. João, em 1420, o de Cristo ao Infante D. Henrique, e, em 1434, o de Avis ao Infante D. Fernando. O mesmo não se verificaria, no entanto, no caso da Ordem do Hospital, cuja dependência à sede conventual, por um lado, e as suas próprias características funcionais, por outro, justificam a tardia entrega do priorado do Crato, ao infante D. Luís, filho de D. João III, já no século XVI.

A partir deste momento, a presença do poder régio far-se-à sentir de forma inequívoca, pela mão destes Infantes e de todos os outros membros da família real que lhes sucedem nos cargos. Esta actuação pauta-se por uma inegável coerência de atitudes, uma vez que todos eles zelam pela consolidação e fortalecimento de cada uma das milícias em benefício do poder real.

Talvez os melhores exemplos desta actuação sejam os mestrados de D. Manuel, duque de Beja e de Viseu, futuro rei de Portugal, na Ordem de Cristo e de D. Jorge, nas de Santiago e Avis. Com efeito, nesta fase final da Baixa Idade Média, a atitude destes personagens é testemunho da aplicação prática de uma política de restruturação interna destas instituições, a que não é alheia uma nova concepção do poder político, como que anunciando a Modernidade.

 

2. AS ORDENS DE AVIS, CRISTO E SANTIAGO APÓS A INCORPORAÇÃO NA COROA

Fernanda Olival

Em 30 de Dezembro de 1551, os Mestrados de Avis, Cristo e Santiago foram perpetuamente anexados à Coroa por bula papal (Praeclara carissimi), mesmo que o Reino viesse parar às mãos de uma mulher. Culminava, assim, um longo processo durante o qual a monarquia portuguesa, à semelhança do que acontecera em Castela, se esforçara por controlar estas instituições.

O centro político português, com um vasto império para defender e administrar, viu - assim - ampliados os seus recursos, económicos e simbólicos, disponíveis para a remuneração de serviços. Por outro lado, passou a dominar, de modo mais efectivo, corpos com grande poder no interior do Reino. Era um passo importante na monopolização da violência e a conquista de importantes expedientes que lhe permitiam saciar muitos servidores de diferentes estratos sociais.

Após esta mudança foi à Mesa da Consciência, criada em 1532, que foi incumbida a administração destes institutos. Em consequência, aquele órgão passou a designar-se Mesa da Consciência e Ordens.
De acordo com o seu primeiro regimento, datado de 1558 , a Mesa da Consciência e Ordens tinha como funções os seus tradicionais desempenhos no que tocava às obrigações da consciência régia (religião, assistência e obras pias, ensino): reformar as ordens regulares e os hospitais, tratar da libertação dos cativos, fazer lembranças no relativo às "cousas da Igreja destes Reynos", tratar dos testamentos régios e de capelas instituídas por monarcas, das mercearias criadas por reis e infantes, e ainda da Universidade de Coimbra e do beneplácito régio sobre as bulas concedidas a Portugal. A estas múltiplas incumbências somavam-se as atribuições respeitantes às Ordens Militares: desde a administração do padroado das Ordens, à visitação dos Conventos de Avis e Palmela, à confirmação dos prazos das comendas e bens das Mesas Mestrais ; apenas o Convento de Tomar, e o Mosteiro da Luz em Lisboa (e não o resto da Ordem de Cristo), ficavam fora da sua área de influência. Esta exclusão decorria da reforma iniciada por Fr. António de Lisboa, no Convento de Tomar, em 1529. Os conventuais de Cristo passaram, assim, a monásticos, razão pela qual, até 1789, apenas juravam obediência ao Prior Geral do Convento e não ao rei enquanto Mestre.

Em 1570 foram introduzidos simultaneamente os estatutos de limpeza de sangue e ofícios nas três Ordens sob a tutela régia (Bula de Pio V, Ad Regie Maiestatis, de 18 de Agosto). Em consequência, as habilitações destas instituições, desde meados da década de 60 a cargo da Mesa da Consciência, ganharam importância social, tal como o hábito, que se tornou cada vez mais um certificado de pureza. No entanto, só a partir de 1597, estes inquéritos passaram a ser feitos nos locais de natalidade do candidato, dos seus pais e avós. Para o desempenho destas funções, a Mesa da Consciência criou uma rede de comissários espalhados por todo o Reino e Império. Contudo, apesar deste rigor, não só alguns cristãos-novos conseguiram alcançar esta cobiçada insígnia, quanto o hábito de Cristo, o mais solicitado dos três, nunca chegou a suplantar, em Portugal, a profunda conotação de limpeza de sangue das familiaturas do Santo Ofício. Por outro lado, muitos mecânicos conseguiram também dispensa régia para ostentar a insígnia destas Ordens. Aliás, em Portugal não se exigia fidalguia para obter aprovação, mas sim limpeza de ofícios, o que favorecia a mobilidade ascendente.

Ao longo do Antigo Regime, pela facilidade com que se concederam dispensas de maioridade, menoridade, ilegitimidade, mecânicas e de deslocação aos Conventos de Avis, Tomar e Palmela para receber o hábito e professar, muita gente conseguiu trazer a cruz destas Ordens no peito. Por outro lado, muitos serviços políticos, administrativos, e sobretudo militares foram pagos através destas distinções. Conjunturas como a de '1580', a década de 30 do século XVII, com as exigências de socorro do Brasil, e a da Guerra da Restauração (1640-1668) são a este respeito paradigmáticas. Em Portugal, a Monarquia frequentemente pagava com as honras. Em contextos politicamente difíceis, ou de forte penúria económica, as Ordens Militares foram, assim, um excelente suporte na construção do Estado Moderno português, com todas as consequências político-sociais daí decorrentes.

Esta banalização dos hábitos, a par do abandono crescente da actividade bélica por parte dos cavaleiros, dos conflitos de jurisdição com os Ordinários, designadamente com o Arcebispo de Évora, sobretudo depois da publicação dos decretos tridentinos , fizeram com que nos finais do século XVI fossem muitos os apelos à reforma das Ordens Militares. Assim o pediram os povos a Filipe II, nas Cortes de Tomar de 1581; ao mesmo tempo que pretendiam que lhes fosse dado um Conselho de Ordens à semelhança do castelhano, retirando, portanto, a jurisdição das Ordens Militares da Mesa da Consciência. Este pedido, aliás, não era novo: já fora formulado no capítulo geral da Ordem de Cristo que D.Sebastião reuniu em Santarém, em 1573. Tinha subjacente o descontentamento perante a composição da Mesa da Consciência, essencialmente dominada por clérigos do hábito de S.Pedro, e não por membros das Ordens, como pretendiam que o fosse.

A primeira tentativa de reforma dos Áustrias começou pela Ordem de Cristo, cerca de 1589. Em 1613, fizeram-se outros esforços, destinados não apenas à Ordem de Cristo, mas também às de Avis e Santiago . Um dos problemas abordados foi precisamente o da criação de um Conselho de Ordens. Nenhuma destas juntas foi, porém, consequente. No entanto, um boa parte do trabalho efectuado reflectiu-se nos últimos capítulos gerais que tiveram estas milícias: os de 1619, na sequência da visita de Filipe III a Portugal. Nestes ter-se-ão confirmado - pelos cavaleiros e comendadores presentes - os textos das juntas anteriores. O resultado destas assembleias (uma para cada Ordem) traduziu-se na compilação de novas definições e estatutos. Estes textos tardaram, no entanto, a serem impressos , em grande parte por lesarem a Fazenda Real.

Com efeito, uma das razões da grande procura de hábitos residia nos seus múltiplos privilégios. De acordo com as Ordenações Filipinas (Lº II, tít.XI), os comendadores e cavaleiros com tença ficavam isentos de dízima, portagem e sisa (excepto do que adquiriam para comerciar). Além disso, tinham foro privativo: uma vantagem jurídica importante.

A estas regalias somavam-se outras vantagens económicas, como a tença ou a comenda.

A Ordem de Cristo dispunha de grande número de comendas, que chegaram a ultrapassar, nos inícios do século XVII, as cinco centenas. A Ordem de Avis, pelo contrário era a que tinha menos - cerca de 48, na mesma data. As comendas destas última milícia eram, contudo, as mais rendosas das três Ordens. No entanto, por vezes um mesmo cavaleiro era agraciado com mais do que uma comenda simultaneamente. Como estas mercês eram, em Portugal, essencialmente remuneratórias, o importante era prefazer o lote da recompensa estabelecido pelo centro político. Quando a comenda, ou as comendas, disponíveis excediam o montante apontado, frequentemente era fixada uma pensão a pagar a outrem numa delas.

Acrescente-se que, no Antigo Regime, o que se entendia por comenda nas três Ordens Militares portuguesas variava muito: algumas (poucas) incluíam a jurisdição sobre uma vila, muitas eram apenas dízimos, outras um conjunto muito pequeno de bens urbanos e rústicos, ou apenas terras; no caso da Ordem de Santiago havia ainda comendas constituídas apenas por fornos; no caso das comendas da Casa da Índia, de Tânger ou Mazagão (todas da Ordem de Cristo) equivaliam exclusivamente a uma tença em dinheiro. Note-se, contudo, que tivessem que natureza tivessem (não se esgotaram aqui as possibilidades), estes rendimentos foram muito cobiçados. Além dos réditos que permitiam auferir, davam ao seu detentor um título não desprezível.

No entanto, ao longo do Antigo Regime diminuíram progressivamente o número dos que chegaram a comendadores, quer porque as comendas concedidadas em vidas tenderam a concentrar-se nas mãos das famílias dos grandes e da primeira nobreza do Reino, quer porque a Coroa tendeu a reservar para si, com autorização de Roma, os rendimento das comendas vagas. Por esta via, algumas delas estiveram sem titular durante muitos anos.

A maioria dos cavaleiros recebia uma tença em dinheiro, um pequeno número uma pensão numa comenda, ou em bens de ausentes (circunstância muito comum no período da Restauração). Havia, ainda, cavaleiros que não recebiam qualquer suporte material com o hábito. Estes seriam, contudo, muito poucos, pois quem não tinha qualquer extipêndio da sua milícia não podia usufruir do privilégio da isenção de foro.

A par dos cavaleiros e comendadores, as Ordens tinham ainda outro tipo de membros: os freires conventuais e os clérigos das igrejas do respectivo padroado. No caso da Ordem de Santiago e Avis tinham também, cada uma delas, um convento feminino: Santos e a Encarnação, respectivamente. Estes dois cenóbios eram os mais distintos de Lisboa, procurados pela principal nobreza para aí colocarem as suas filhas.

Em Coimbra, as Ordens Militares fundaram, também, colégios para instruirem os seus membros. A de Cristo estabeleceu o Colégio de Tomar, em meados do século XVI, onde os seus freires se formavam exclusivamente em Teologia; a de Avis e Santiago criaram em conjunto, em 1615, o Colégio dos Militares, onde 6 colegiais de cada uma destas duas Ordens procuravam o apoio indispensável à frequência não só de Teologia, mas sobretudo de Direito Canónico, o curso que teoricamente garantia mais oportunidades de colocação no Antigo Regime.
Em 1789, a rainha D.Maria I tratou de reformar as Ordens Militares de modo a evitar a fraca distinção possibilitada por estes hábitos. A partir de então a rainha e o príncipe passariam a usar não apenas a insígnia da Ordem de Cristo, mas a venera das três Ordens. Para além disso criou-se uma hierarquia entre os membros: 12 grã-cruzes, no topo, com tratamento de excelência anexo; seguido de comendadores e, por fim de cavaleiros. Para acentuar as diferenças foram também introduzidas distinções nestas veneras e no modo como deviam ser usadas. Estabeleceu-se, ainda, que em regra aos serviços militares corresponderia a Ordem de Avis, os magistrados seriam agraciados dominantemente com Santiago, reservando-se o hábito de Cristo para os cargos políticos e para os altos postos civis e militares. O modelo que inspirou esta mudança foram as Ordens de Cavalaria que proliferavam noutras unidades políticas do resto da Europa.

Na sequência da revolução liberal, apenas em 1834 foram abolidas as Ordens Militares, para voltarem a ser recriadas mais tarde como verdadeiras condecorações alcançáveis por mérito.


3. A ORDEM DE MALTA NO PERÍODO MODERNO

Fernanda Olival

Contrariamente ao que sucedeu nas restantes, nesta Ordem manteve-se o voto de castidade nos seus cavaleiros e a exigência de fidalguia nas suas habilitações até ao século XIX. Estes dois aspectos marcaram bem o perfil da Ordem de Malta em Portugal ao longo do período apontado.

Por outro lado, tratando-se de uma instituição internacional, a Coroa Portuguesa procurou, também, controlar estes cavaleiros. Seguiu uma política semelhante à desenvolvida em torno das Ordens de Avis, Cristo e Santiago nos séculos XV e XVI; ou seja, tentou reservar, o mais que pôde o lugar de Prior do Crato para os filhos e parentes da Casa Real, legítimos ou bastardos. A ligação à Coroa ocorreu, porém, tardiamente. Apenas em 1789-90 o seu património foi anexado à Casa do Infantado, à semelhança do que acontecera em Espanha, onde, a rogo de Carlos III, o Priorado de Castela e Leão foi perpetuamente concedido por Pio VI, em 1784, ao Infante D.Gabriel e seus descendentes.

É ainda de acrescentar que no século XVII, a Ordem de Malta teve um Grão-Mestre português (D.Luís Mendes de Vasconcelos) e dois na primeira metade de Setecentos (D.António Manuel de Vilhena, eleito em 1722, e D.Manuel Pinto da Fonseca, eleito em 1741). Qualquer uma destas escolhas teve grande impacte em Portugal.


4. A ORDEM MILITAR DA TORRE E ESPADA

Fernanda Olival

Esta Ordem foi criada em 1808 para assinalar a chegada do Príncipe Regente ao Brasil, por ocasião das invasões francesas. Pretendia-se, no entanto, que as suas origens remontassem a meados do século XV, quando D.Afonso V teria instituído uma Ordem com uma designação muito semelhante destinada a agraciar os cavaleiros que colaboraram na conquista das praças do Norte de África.

De acordo com o decreto que a instituíu, de 13 de Maio de 1808, e a lei de 29 de Novembro desse mesmo ano, esta Ordem não envolvia qualquer conotação nem cerimónia religiosa. Era puramente civil; nascia por interesse político. Podia ser dada a qualquer indivíduo, independentemente do seu credo religioso. Quando o agraciado recebia a insígnia, na Mesa da Consciência e Ordens, apenas jurava "valor e lealdade", divisa também inscrita nas veneras. Na realidade, no contexto em que foi criada, a Monarquia tinha em vista galardoar alguns súbditos ingleses, que contribuíram para salvaguardar a família real portuguesa, frente à ameaça napoleónica.
Apenas os serviços feitos à Coroa eram relevantes para alcançar esta distinção. Ao invés das outras Ordens, nesta não havia habilitações, nem se exigiam quaisquer requisitos de nascimento para chegar a cavaleiro, a comendador ou a grã-cruz, grau este que também tinha associado o tratamento de excelência.
Tal como nas antigas Ordens, cabia ao monarca, ou ao regente, o lugar de Grão-Mestre.

5. A ORDEM DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE VILA VIÇOSA

Fernanda Olival

No Rio de Janeiro, em 6 de Fevereiro de 1818, dia no qual D.João VI foi aclamado no trono do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves criou esta nova Ordem Militar. Pretendia assinalar a obtenção do ceptro, o fim das invasões francesas, o culto a Nosssa Senhora da Conceição, mas sobretudo a salvaguarda da Monarquia Portuguesa, em tempos tão conturbados para as coroas europeias. Daí que invocasse a padroeira de Portugal estabelecida pela dinastia de Bragança no século XVII, da qual era representante legítimo.

Pelo alvará de 10 de Setembro de 1819, esta nova Ordem devia ter apenas 12 grã-cruzes, 40 comendadores, 100 cavaleiros e 60 serventes. Além destes números podiam ser nomeados membros extraordinários. Desde logo, todas as pessoas da família real, de um e outro sexo, eram grã-cruzes extra-numerários. Tal como nas restantes Ordens, o rei era grão-mestre.

Esta Ordem tinha, no entanto, um forte pendor religioso e até aristocrático, não obstante ter sido criada cerca de dois anos antes da primeira experiência liberal portuguesa. As grã-cruzes estavam reservadas à Nobreza titular, as comendas aos fidalgos da Casa Real. Apenas o grau de cavaleiro estava vocacionado para os nobres e empregados que tivessem serviços relevantes, sem outras distinções nobiliárquicas.

Como "cabeça da Ordem" estabeleceram-se as capelas reais de Lisboa e de Vila Viçosa, locais onde todos os filiados deviam assistir à festa de Nossa Senhora da Conceição (8 de Dezembro), desde que estivessem a menos de uma légua de distância. Quem investia os neófitos na Ordem era o deão da capela real alentejana. Nas suas mãos deviam estes, pessoalmente ou através de procurador, jurar defender o mistério da Imaculada Conceição. Ao mesmo tempo, quando recebiam a insígnia matriculavam-se nas duas irmandades da Conceição de Vila Viçosa, que foram incorporadas nesta Ordem.

Ao contrário do que sucedia nas Ordens de Avis, Cristo e Santiago, nesta não havia profissão, apenas lançamento de hábito e juramento. Desta forma, os seus estatutos permitiam que a Ordem de Nossa Senhora da Conceição fosse acumulável com qualquer outra. Era mais uma distinção da Monarquia para permitir acentuar a hierarquia entre os nobres, numa época de inflação de honras e de crescentes apelos à igualdade perante a lei.

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